Faltam médicos em Sergipe?
Texto: Rilton M. Morais (Neurocirurgião)
Nos últimos seis meses, tem sido alardeado por vários setores da sociedade que faltam médicos em Aracaju. Falam os secretários de saúde, falam os donos de hospitais e laboratórios particulares, falam os donos de planos de saúde, falam os donos de faculdades privadas e falam os políticos. Só faltou falar quem entende de saúde: os médicos. Não estou falando daqueles médicos que receberam o diploma e se esconderam atrás de birôs e cargos burocráticos. Estou falando da Dra. Pediatra do posto de saúde Dona Sinhazinha, do Dr. Médico de Família de Tobias Barreto, do Dr. Ortopedista do HUSE, da Dra. Cardiologista do Hospital de Cirurgia, do Dr. Clínico Geral de Propriá, da Dra. Dermatologista do consultório particular; de todos os médicos de verdade, que passam seus dias, noites e finais de semana a amenizar a dor e o sofrimento, a prolongar a existência e a salvar as vidas dos pacientes do nosso Estado.
E porque será que quem entende mesmo de medicina não tem sido ouvido? Será que Sergipe não produz um número suficiente de médicos para atender a população? Segundo dados oficiais do Conselho Federal de Medicina, no ano de 2003 havia 1 médico para cada 945 habitantes. A Organização Mundial de Saúde diz que o ideal é 1 médico para 1000 habitantes. Nosso Estado é pequeno e o número de profissionais é mais que suficiente.
Se Sergipe não produz a quantidade necessária, por que não vem médicos de outros Estados para ocupar as vagas de emprego existentes aqui? Aracaju é alardeada como a capital da qualidade de vida. Não temos congestionamentos, a violência é pequena. São Paulo possui 1 médico para cada 471 habitantes e o Rio de Janeiro tem 1 para cada 302, segundo a mesma pesquisa. Lá não faltam profissionais, falta emprego. No último concurso para as Fundações de Saúde do Estado foram feitas inscrições e provas no Rio de Janeiro e São Paulo. Quase ninguém quis vir pra cá.
Neste concurso, o salário oferecido para médicos era de R$ 2.000,00 com uma gratificação de mais R$ 2.000,00 (que não vai para a aposentadoria), muitas vezes para profissionais com um mínimo de 11 anos de estudo. E sem as regalias de outras profissões. Sem horário flexível, sem progressão de carreira e na maioria das vezes sem condições de exercer sua função com dignidade.
Na Procuradoria do Estado quase não há sergipanos. E não falta quem queira trabalhar lá. Talvez seja porque o salário é de R$ 17.000,00. Ou será que não faltam advogados? Na Defensoria Pública faltam. Será porque o salário é de R$ 3.500,00? Aí ninguém quer.
Nós médicos precisamos ser mais valorizados. O médico passa seus dias lidando com o que choca todos os outros. Vendo e cuidando do que ninguém quer conhecer. Lutando com as doenças. Vivenciando a dor do próximo. Realmente não há médicos ocupando todos os cargos oferecidos no Estado. Mas é porque poucos se dispõem a assumir estas obrigações com as condições dispostas e pelo salário vil ofertado. Quando os médicos não se dispõem a trabalhar pelos valores ultrajantes oferecidos e se organizam para lutar por uma valorização de sua profissão são acusados de cometer o crime de cartelização, como recentemente aconteceu com os anestesistas.
O problema está não somente no setor público, mas também no privado. Uma consulta médica paga pelos planos de saúde é mais barata que uma depilação de pernas ou um corte de cabelo. Alguns planos de saúde utilizam ainda a tabela de honorários de 1992. O valor pago por uma cirurgia de fimose é menor que uma escovação de cabelos.
Faltam pediatras? Não! Falta quem queira se dispor a trabalhar num ambiente sufocante, com dezenas de crianças lado a lado chorando, sem leitos para deitar. A realidade da pediatria no nosso Estado é de mães estressadas pela falta de condições de resolver o problema dos seus filhos e descontando toda sua fúria na pediatra que faz todo o esforço do mundo para fazer o máximo possível. Muitas vezes não é o suficiente. Quem se disponha a enfrentar tais adversidades deveria ser muito bem remunerado.
Os pediatras de Sergipe são as mulheres e homens mais corajosos que conheço. Não sei que força lhes impulsiona a trabalhar em tais condições. Seja a necessidade financeira, seja a obrigação moral, seja o amor pela profissão. Tratar o problema grave da pediatria como falta de médicos é apunhalar o coração destes heróis do dia-a-dia. A luta pela valorização dos pediatras é a luta pela valorização dos médicos. É a luta pela valorização da vida.
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