sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O desprezo pela vida dos nossos filhos


Só quem precisou de uma urgência pediátrica em Sergipe conhece a dor, a tristeza e a revolta em ver como o atendimento de saúde das nossas crianças tem sido negligenciado. Correr de hospital para hospital com um filho doente nos braços é desesperador e angustiante, mas a angústia não cessa quando finalmente chegamos a um pronto-socorro que possui pediatria. Ali o atendimento não é imediato. Somos obrigados a esperar sentados e com o filho sofrendo no colo. Há várias crianças e somente uma infatigável pediatra. O choro dos pequeninos à espera, em um espaço desconfortável, só aumenta nossa dor. A revolta é multiplicada exponencialmente quando nos lembramos dos nossos direitos e conhecemos nossas leis. O quadro é dramático e é real. Aconteceu na noite do dia 6 de novembro e não foi no serviço público de saúde.


Quem precisar de urgência pediátrica em Sergipe vai penar pela mesma trajetória e não importa quanto dinheiro tenha nem de quanto sacrifício esteja disposto a fazer, o sofrimento será inevitável. Em Aracaju, poucos hospitais privados têm atendimento em pediatria. E, infelizmente, só tende a piorar. No fim deste mês, a equipe de pediatras de um grande hospital deve sair dos atendimentos de urgência. E ao contrário do que o senso comum pode imaginar, não é por dinheiro. Os pediatras exigem algumas mudanças técnicas para que possam trabalhar com segurança no atendimento das crianças. Não basta somente colocar um médico na porta para que vidas sejam salvas. Há muito equipamento, muitos profissionais e muita tecnologia necessária se quisermos salvar a vida do máximo possível dos pacientes. No nosso Estado, somente o Hospital de Urgências de Sergipe (Gov. João Alves Filho) possui UTI pediátrica e os especialistas necessários, mas a capacidade é muito menor que a demanda.

No serviço privado, não há interesse econômico na pediatria. A imensa maioria dos atendimentos não gera internação, não consome medicamentos e não precisa de cirurgias. Assim, o hospital lucra muito pouco. Então, ao invés de corrigir suas tabelas de repasses com os planos de saúde, é melhor penalizar o mais fraco, fechando o serviço e abandonando os pequeninos à própria sorte. É o que temos visto acontecer por aqui.

Mesmo na cabeça do mais tolo e inocente dos cidadãos, surge a inevitável pergunta: e pode? A resposta é mais simples ainda: NÃO! Nas considerações sobre as condições de funcionamento dos serviços médicos, a resolução do Conselho Federal de Medicina número 1451 do ano de 1995 determina, no seu artigo segundo, que “a equipe médica do Pronto Socorro deverá, em regime de plantão no local, ser constituída, no mínimo, por profissionais das seguintes áreas: anestesiologia; clínica médica; pediatria; cirurgia geral e ortopedia”. A resolução também relembra que cabe aos Conselhos Regionais de Medicina a supervisão e a fiscalização.

O desprezo à pediatria de Sergipe é cruel aos olhos dos pais, ilegal aos ditames da lei e imoral segundo a religião. Na Bíblia, em São Mateus, Capítulo 18, Versículo 10, Jesus diz: “Vede, não desprezeis algum destes pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêem a face de meu Pai ...”

Cabe a todos zelar pela vida e dignidade das nossas indefesas crianças. Cabe à justiça exigir que a lei seja cumprida e punir quem deveria fiscalizar e não o fez.


Rilton Morais

sábado, 13 de novembro de 2010

Capitão Nascimento e a Saúde de Sergipe


Texto: Rilton Morais (Neurocirurgião)

Excelente o filme Tropa de Elite 2. Para todos nós, brasileiros comuns, parece mais um documentário do que simples ficção. A sensação de realidade ocorre porque os fatos são factíveis, conhecidos e divulgados amplamente na mídia diária. O filme tem um poder educacional muito grande, pois, pode exemplificar o que ocorre nos bastidores da polícia. Mas o filme não fala só de polícia. Na verdade, a crise da polícia é só um chamariz para mostrar um problema muito maior: a política brasileira. Devemos lembrar que a política não são os políticos. Política é a arte de convencer a maioria, ou um grupo de pessoas. E este convencimento à brasileira é mostrado muito fielmente no excelente roteiro apresentado.

Um dos personagens mais marcantes na estória é o Fortunato, aquele apresentador do programa de televisão que faz críticas à escalada da violência. Esbraveja, mostra indignação, cobra dos governantes e dá soluções, mesmo sem entender nada do assunto. Cria factóides e julga quem considera culpado. O dono da verdade. Mostra-se depois que por trás do discurso bem intencionado existe um manipulador que só vislumbra sua carreira política. Podemos ver, nas ações de Fortunato, como crises reais ou inventadas são manipuladas para atender o interesse de grupos políticos, entidades e, às vezes, até de bandidos.

É aí que o filme estabelece um paralelo com os problemas da saúde pública de Sergipe. Aqui, como na ficção, assistimos diariamente os problemas da saúde serem utilizados para atender interesses escusos. Temos até os nossos próprios Fortunatos, com suas pilhérias e fanfarronices, tratando dificuldades sérias como piadas. Usam do humor, do exagero ou da fantasia para criar ou aumentar crises e atingir seus interesses escusos que, diferente do filme, os expectadores comuns não podem conhecer tão facilmente. A saúde de Sergipe tem problemas. São muitos, são difíceis de resolver e precisam ser tratados com seriedade. Mas, já foi muito pior. E nesta época não ouvíamos o clamor e a indignação dos Fortunatos. Talvez, porque estivessem recebendo alguma benesse, assim como mostrado no cinema. Quando estas pessoas denigrem a saúde pública de forma irresponsável, jogam a lama da incompetência nos hospitais para atingir seus inimigos políticos, mas acabam sujando o bom nome dos homens e mulheres inocentes que estão na linha de frente da saúde. São os médicos e, principalmente, as enfermeiras que são agredidos diariamente por uma população entorpecida e ludibriada, inundada diariamente com a ideia de que nos nossos hospitais públicos se mata ou se deixa morrer.

Sergipe precisa sim resolver seus problemas. A sociedade tem que conhecer a fundo as reais dificuldades. Precisa conhecer o que de bom e de ruim tem sido feito. Precisa valorizar os profissionais de saúde do nosso Estado, que dedicam seu trabalho para construir uma saúde para todos, gratuita, racional e de qualidade. Precisa ouvir quem trabalha com saúde e quem entende do que fala.

Prestar atenção no grito vazio e interesseiro de pessoas que não trabalham na saúde pública não resolve os problemas e não serve às instituições, aos profissionais, nem à população. Só serve às milícias.

Publicada: 24/10/2010 Jornal da Cidade