Texto: Rilton Morais (Neurocirurgião)
Excelente o filme Tropa de Elite 2. Para todos nós, brasileiros comuns, parece mais um documentário do que simples ficção. A sensação de realidade ocorre porque os fatos são factíveis, conhecidos e divulgados amplamente na mídia diária. O filme tem um poder educacional muito grande, pois, pode exemplificar o que ocorre nos bastidores da polícia. Mas o filme não fala só de polícia. Na verdade, a crise da polícia é só um chamariz para mostrar um problema muito maior: a política brasileira. Devemos lembrar que a política não são os políticos. Política é a arte de convencer a maioria, ou um grupo de pessoas. E este convencimento à brasileira é mostrado muito fielmente no excelente roteiro apresentado.
Um dos personagens mais marcantes na estória é o Fortunato, aquele apresentador do programa de televisão que faz críticas à escalada da violência. Esbraveja, mostra indignação, cobra dos governantes e dá soluções, mesmo sem entender nada do assunto. Cria factóides e julga quem considera culpado. O dono da verdade. Mostra-se depois que por trás do discurso bem intencionado existe um manipulador que só vislumbra sua carreira política. Podemos ver, nas ações de Fortunato, como crises reais ou inventadas são manipuladas para atender o interesse de grupos políticos, entidades e, às vezes, até de bandidos.
É aí que o filme estabelece um paralelo com os problemas da saúde pública de Sergipe. Aqui, como na ficção, assistimos diariamente os problemas da saúde serem utilizados para atender interesses escusos. Temos até os nossos próprios Fortunatos, com suas pilhérias e fanfarronices, tratando dificuldades sérias como piadas. Usam do humor, do exagero ou da fantasia para criar ou aumentar crises e atingir seus interesses escusos que, diferente do filme, os expectadores comuns não podem conhecer tão facilmente. A saúde de Sergipe tem problemas. São muitos, são difíceis de resolver e precisam ser tratados com seriedade. Mas, já foi muito pior. E nesta época não ouvíamos o clamor e a indignação dos Fortunatos. Talvez, porque estivessem recebendo alguma benesse, assim como mostrado no cinema. Quando estas pessoas denigrem a saúde pública de forma irresponsável, jogam a lama da incompetência nos hospitais para atingir seus inimigos políticos, mas acabam sujando o bom nome dos homens e mulheres inocentes que estão na linha de frente da saúde. São os médicos e, principalmente, as enfermeiras que são agredidos diariamente por uma população entorpecida e ludibriada, inundada diariamente com a ideia de que nos nossos hospitais públicos se mata ou se deixa morrer.
Sergipe precisa sim resolver seus problemas. A sociedade tem que conhecer a fundo as reais dificuldades. Precisa conhecer o que de bom e de ruim tem sido feito. Precisa valorizar os profissionais de saúde do nosso Estado, que dedicam seu trabalho para construir uma saúde para todos, gratuita, racional e de qualidade. Precisa ouvir quem trabalha com saúde e quem entende do que fala.
Prestar atenção no grito vazio e interesseiro de pessoas que não trabalham na saúde pública não resolve os problemas e não serve às instituições, aos profissionais, nem à população. Só serve às milícias.
Publicada: 24/10/2010 Jornal da Cidade
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